* A Project Gutenberg Canada Ebook * This ebook is made available at no cost and with very few restrictions. These restrictions apply only if (1) you make a change in the ebook (other than alteration for different display devices), or (2) you are making commercial use of the ebook. If either of these conditions applies, please check gutenberg.ca/links/licence.html before proceeding. This work is in the Canadian public domain, but may be under copyright in some countries. If you live outside Canada, check your country's copyright laws. IF THE BOOK IS UNDER COPYRIGHT IN YOUR COUNTRY, DO NOT DOWNLOAD OR REDISTRIBUTE THIS FILE. Title: Livro de Mágoas Author: Espanca, Florbela (1894-1930) Date of first publication: 1919 Edition used as base for this ebook: Coimbra: Gonçalves, 1934 (_Sonetos Completos_) Date first posted: 21 August 2009 Date last updated: 21 August 2009 Project Gutenberg Canada ebook #374 This ebook was produced by: Júlio Reis & the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdpcanada.net This file was produced from images generously made available by the Biblioteca Nacional de Portugal (Biblioteca Nacional Digital) * Livre électronique de Project Gutenberg Canada * Le présent livre électronique est rendu accessible gratuitement et avec quelques restrictions seulement. Ces restrictions ne s'appliquent que si [1] vous apportez des modifications au livre électronique (et que ces modifications portent sur le contenu et le sens du texte, pas simplement sur la mise en page) ou [2] vous employez ce livre électronique à des fins commerciales. 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Titre: Livro de Mágoas Auteur: Espanca, Florbela (1894-1930) Date de la première publication: 1919 Édition utilisée comme modèle pour ce livre électronique: Coimbra: Gonçalves, 1934 (_Sonetos Completos_) Date de la première publication sur Project Gutenberg Canada: 21 août 2009 Date de la dernière mise à jour: 21 août 2009 Livre électronique de Project Gutenberg Canada no 374 Ce livre électronique a été créé par: Júlio Reis et l'équipe des correcteurs d'épreuves (Canada) à http://www.pgdpcanada.net Nous tenons à remercier la Biblioteca Nacional de Portugal (Biblioteca Nacional Digital) d'avoir offert en ligne les images de l'édition imprimée sur laquelle nous avons fondé ce livre électronique. Notas de transcrição: A errata presente no final do volume foi aplicada. O texto em itálico foi marcado com _. LIVRO DE MÁGOAS (1919) _Procuremos sòmente a Beleza, que a vida É um punhado infantil de areia ressequida Um som d'água ou de bronze e uma sombra que passa..._ EUGÉNIO DE CASTRO. _Isolés dans l'amour ainsi qu'en un bois noir, Nos deux cœurs, exalant leur tendresse paisible, Seront deux rossignols que chantent dans le soir._ VERLAINE. ÊSTE LIVRO... Êste livro é de mágoas. Desgraçados Que no mundo passais, chorai ao lê-lo! Sòmente a vossa dor de Torturados Pode, talvez, senti-lo... e compreendê-lo. Êste livro é para vós. Abençoados Os que o sentirem, sem ser bom nem belo! Bíblia de tristes... Ó Desventurados, Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo! Livro de Mágoas... Dores... Ansiedade! Livro de sombras... Névoas... e Saüdades! Vai pelo mundo... (Trouxe-o no meu seio...) Irmãos na Dor, os olhos razos de água, Chorai comigo a minha imensa mágoa, Lendo o meu livro só de mágoas cheio!... VAIDADE Sonho que sou a Poetisa eleita, Aquela que diz tudo e tudo sabe, Que tem a inspiração pura e perfeita, Que reüne num verso a imensidade! Sonho que um verso meu tem claridade Para encher todo o mundo! E que deleita Mesmo aquêles que morrem de saüdade! Mesmo os de alma profunda e insatisfeita! Sonho que sou Alguém cá neste mundo... Aquela de saber vasto e profundo, Aos pés de quem a terra anda curvada! E quando mais no céu eu vou sonhando, E quando mais no alto ando voando, Acordo do meu sonho... E não sou nada!... EU Eu sou a que no mundo anda perdida, Eu sou a que na vida não tem norte, Sou a irmã do Sonho, e desta sorte Sou a crucificada... a dolorida... Sombra de névoa ténue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida!... Sou aquela que passa e ninguém vê... Sou a que chamam triste sem o ser... Sou a que chora sem saber porquê... Sou talvez a visão que Alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo p'ra me ver E que nunca na vida me encontrou! CASTELÃ DA TRISTEZA Altiva e couraçada de desdém, Vivo sòzinha em meu castelo: a Dor! Passa por êle a luz de todo o amor... E nunca em meu castelo entrou alguém! Castelã da Tristeza, vês?... A quem?... --E o meu olhar é interrogador-- Prescruto, ao longe, as sombras do sol-pôr... Chora o silêncio... nada... ninguém vem... Castelã da Tristeza, porque choras Lendo, tôda de branco, um livro de oras, Á sombra rendilhada dos vitrais?... A noite, debruçada p'las ameias, Porque rezas baixinho?... Porque anseias?... Que sonho afagam tuas mãos reais?... TORTURA Tirar dentro do peito a Emoção, A lúcida Verdade, o Sentimento! --E ser, depois de vir do coração, Um punhado de cinza esparso ao vento!... Sonhar um verso d'alto pensamento, E puro como um ritmo d'oração! --E ser, depois de vir do coração, O pó, o nada, o sonho dum momento... São assim ôcos, rudes, os meus versos: Rimas perdidas, vendavais dispersos, Com que eu iludo os outros, com que minto! Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse, a chorar, isto que sinto! LÁGRIMAS OCULTAS Se me ponho a cismar em outras eras Em que ri e cantei, em que era qu'rida, Parece-me que foi noutras esferas, Parece-me que foi numa outra vida... E a minha triste bôca dolorida Que dantes tinha o rir das primaveras, Esbate as linhas graves e severas E cai num abandono de esquecida! E fico, pensativa, olhando o vago... Toma a brandura plácida dum lago O meu rosto de monja de marfim... E as lágrimas que choro, branca e calma, Ninguém as vê brotar dentro da alma! Ninguém as vê cair dentro de mim! TÔRRE DE NÉVOA Subi ao alto, à minha Tôrre esguia, Feita de fumo, névoas e luar, E pus-me, comovida, a conversar Com os poetas mortos, todo o dia. Contei-lhes os meus sonhos, a alegria Dos versos que são meus, do meu sonhar, E todos os poetas, a chorar, Responderam-me então: Que fantasia, Criança doida e crente! Nós também Tivemos ilusões, como ninguém, E tudo nos fugiu, tudo morreu!... Calaram-se os poetas, tristemente... E é desde então que eu choro amargamente Na minha Tôrre esguia junto ao Céu!... A MINHA DOR A Você. A minha Dor é um convento ideal Cheio de claustros, sombras, arcarias, Aonde a pedra em convulsões sombrias Tem linhas dum requinte escultural. Os sinos têm dobres d'agonias Ao gemer, comovidos, o seu mal... E todos têm sons de funeral, Ao bater horas, no correr dos dias... A minha Dor é um convento. Há lírios Dum roxo macerado de martírios, Tão belos como nunca os viu alguém! Nesse triste convento aonde eu moro, Noites e dias rezo e grito e choro, E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém... DIZERES ÍNTIMOS É tão triste morrer na minha idade! E vou ver os meus olhos, penitentes Vestidinhos de roxo, como crentes Do soturno convento da Saüdade! E logo vou olhar (com que ansiedade!...) As minhas mãos esguias, languescentes, De brancos dedos, uns bébés doentes Que hão de morrer em plena mocidade! E ser-se novo é ter-se o Paraíso. É ter-se a estrada larga, ao sol, florida, Aonde tudo é luz e graça e riso! E os meus vinte e três anos... (Sou tão nova!) Dizem baixinho a rir: «Que linda a vida!...» Responde a minha Dor: «Que linda a cova!» AS MINHAS ILUSÕES Hora sagrada dum entardecer D'Outono, à beira-mar, côr de safira. Soa no ar uma invisível lira... O sol é um doente a enlanguescer... A vaga estende os braços a suster. Numa dor de revolta cheia de ira, A doirada cabeça que delira Num último suspiro, a estremecer. O sol morreu... e veste luto o mar... E eu vejo a urna d'oiro, a baloiçar, Á flor das ondas num lençol de espuma. As minhas ilusões, doce tesoiro, Também as vi levar em urna d'oiro. No Mar da Vida, assim... uma por uma... NEURASTENIA Sinto hoje a alma cheia de tristeza! Um sino dobra em mim, Ave-Marias! Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias, Faz na vidraça rendas de Veneza... O vento desgrenhado, chora e reza Por alma dos que estão nas agonias! E flocos de neve, aves brancas, frias, Batem as asas pela Natureza... Chuva... tenho tristeza! Mas porquê? Vento... tenho saüdades! Mas de quê? Ó neve que destino triste o nosso! Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura! Gritem ao mundo inteiro esta amargura, Digam isto que sinto que eu não posso!!... PEQUENINA Á Maria Helena Falcão Risques. És pequenina e ris... A bôca breve É um pequeno idílio côr de rosa... Haste de lírio frágil e mimosa! Cofre de beijos feito sonho e neve! Doce quimera que a nossa alma deve Ao Céu que assim te fêz tão graciosa! Que nesta vida amarga e tormentosa Te fêz nascer como um perfume leve! O ver o teu olhar faz bem à gente... E cheira e sabe, a nossa bôca, a flores Quando o teu nome diz, suavemente... Pequenina que a Mãe de Deus sonhou, Que ela afaste de ti aquelas dores Que fizeram de mim isto que sou! A MAIOR TORTURA A Um Grande Poeta de Portugal. Na vida, para mim, não há deleite. Ando a chorar convulsa noite e dia... E não tenho uma sombra fugidia Onde poise a cabeça, onde me deite! E nem flor de lilaz tenho que enfeite A minha atroz, imensa, nostalgia... A minha pobre Mãe tão branca e fria Deu-me a beber a Mágoa no seu leite! Poeta, eu sou um cardo desprezado, A urze que se pisa sob os pés. Sou, como tu, um riso desgraçado! Mas a minha tortura 'inda é maior: Não ser poeta assim como tu és Para gritar num verso a minha Dor!... A FLOR DO SONHO A flor do Sonho alvíssima, divina, Miraculosamente abriu em mim, Como se uma magnólia de setim Fôsse florir num muro todo em ruína. Pende em meu seio a haste branda e fina E não posso entender como é que, emfim, Essa tão rara flor abriu assim!... Milagre... fantasia... ou talvez, sina... Ó Flor que em mim nasceste sem abrolhos, Que tem que sejam tristes os meus olhos Se êles são tristes pelo amor de ti?!... Desde que em mim nasceste em noite calma, Voou ao longe a asa da minh'alma E nunca, nunca mais eu me entendi... NOITE DE SAÜDADE A Noite vem pousando devagar Sôbre a terra que inunda de amargura... E nem sequer a bênção do luar A quis tornar divinamente pura... Ninguém vem atrás dela a acompanhar A sua dor que é cheia de tortura... E eu oiço a Noite imensa soluçar! E eu oiço soluçar a Noite escura! Porque és assim tão 'scura, assim tão triste? É que talvez, ó Noite, em ti existe Uma Saüdade igual à que eu contenho! Saüdade que eu não sei donde me vem... Talvez de ti, ó Noite!... Ou de ninguém!... Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!! ANGÚSTIA Tortura do pensar! Triste lamento! Quem nos dera calar a tua voz! Quem nos dera cá dentro, muito, a sós, Estrangular a hidra num momento! E não sequer pensar!... E o pensamento Sempre a morder-nos bem, dentro de nós... Qu'rer apagar no Céu--Ó sonho atroz!-- O brilho duma estrêla, com o vento!... E não se apaga, não... nada se apaga. Vem sempre rastejando como a vaga... Vem sempre preguntando: «O que te resta?...» Ah! não ser mais que o vago, o infinito! Ser pedaço de gelo, ser granito, Ser rugido de tigre na floresta! AMIGA Deixa-me ser tua amiga, Amor; A tua amiga só, já que não queres Que pelo teu amor seja a melhor A mais triste de tôdas as mulheres. Que só, de ti, me venha mágoa e dor O que me importa a mim?! O que quiseres. É sempre um sonho bom! Seja o que fôr Bemdito sejas tu por mo dizeres! Beija-me as mãos, Amor, devagarinho... Como se os dois nascessemos irmãos, Aves cantando, ao sol, no mesmo ninho... Beija-mas bem!... Que fantasia louca Guardar assim, fechados, nestas mãos, Os beijos que sonhei p'ra minha bôca... DESEJOS VÃOS Eu qu'ria ser o Mar d'altivo porte Que ri e canta, a vastidão imensa! Eu qu'ria ser a pedra que não pensa, A Pedra do caminho, rude e forte! Eu qu'ria ser o sol, a luz intensa, O bem do que é humilde e não tem sorte! Eu qu'ria ser a árvore tôsca e densa Que ri do mundo vão e até da morte! Mas o Mar tambêm chora de tristeza... As árvores, tambêm, como quem reza, Abrem, aos Céus os braços, como um crente! E o Sol altivo e forte, ao fim dum dia, Tem lágrimas de sangue na agonia! E as Pedras... essas... pisa-as tôda a gente!... PIOR VELHICE Sou vélha e triste. Nunca o alvorocer Dum riso são andou na minha bôca! Gritando que me acudam, em voz rouca, Eu, Náufraga da Vida, ando a morrer! A Vida que ao nascer enfeita e touca D'alvas rosas, a fronte da mulher, Na minha fronte mística de louca Martírios só poisou a emmurchecer! E dizem que sou nova... A mocidade Estará só, então, na nossa idade, Ou está em nós e em nosso peito mora?!... Tenho a pior velhice, a que é mais triste, Aquela onde nem sequer existe Lembrança de ter sido nova... outrora... A UM LIVRO No silêncio de cinzas do meu Ser Agita-se uma sombra de cipreste. Sombra roubada ao livro que ando a ler A êsse livro de mágoas que me deste. Estranho livro aquêle que escreveste, Artista da saüdade e do sofrer! Estranho livro aquêle em que puseste Tudo o que eu sinto, sem poder dizer! Leio-o e folheio, assim, tôda a minh'alma! O livro que me deste é meu e psalma As orações que choro e rio e canto!... Poeta igual a mim, ai quem me dera Dizer o que tu dizes!... Quem soubera Velar a minha Dor dêsse teu manto!... ALMA PERDIDA Tôda esta noite o rouxinol chorou, Gemeu, rezou, gritou perdidamente! Alma de rouxinol, alma da gente, Tu és, talvez, alguém que se finou! Tu és, talvez, um sonho que passou, Que se fundiu na Dor, suavemente... Talvez sejas a alma, alma doente D'alguém que quis amar e nunca amou! Tôda a noite choraste... e eu chorei Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei Que ninguém é mais triste do que nós! Contaste tanta coisa à noite calma, Que eu pensei que tu eras a minh'alma Que chorasse perdida em tua voz!... DE JOELHOS «Bemdita seja a mãe que te gerou.» Bemdito o leite que te fêz crescer. Bemdito o berço aonde te embalou A tua alma, p'ra te adormecer! Bemdita essa canção que acalentou Da tua vida o doce alvorecer... Bemdita seja a lua que inundou De luz, a terra, só para te ver... Bemditos sejam todos que te amarem, As que em volta de ti ajoelharem Numa grande paixão fervente e louca! E se mais que eu, um dia, te quiser Alguém, bemdita seja essa Mulher, Bemdito seja o beijo dessa bôca!! LANGUIDEZ Tardes da minha terra, doce encanto, Tardes duma pureza d'açucenas, Tardes de sonho, as tardes de novenas, Tardes de Portugal, as tardes d'Anto, Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!... Horas bemditas, leves como penas, Horas de fumo e cinza, horas serenas, Minhas horas de dor em que eu sou santo! Fecho as pálpebras roxas, quási pretas, Que poisam sôbre duas violetas, Asas leves cansadas de voar... E a minha bôca tem uns beijos mudos... E as minhas mãos, uns pálidos veludos, Traçam gestos de sonho pelo ar... PARA QUÊ? Tudo é vaidade neste mundo vão... Tudo é tristeza; Tudo é pó, é nada! E mal desponta em nós a madrugada, Vem logo a noite encher o coração! Até o amor nos mente, essa canção Que o nosso peito ri à gargalhada, Flor que é nascida e logo desfolhada, Pétalas que se pisam pelo chão! Beijos d'amor! P'ra quê?!... Tristes vaidades! Sonhos que logo são realidades, Que nos deixam a alma como morta! Só acredita nêles quem é louca! Beijos d'amor que vão de bôca em bôca, Como pobres que vão de porta em porta!... AO VENTO O vento passa a rir, torna a passar, Em gargalhadas ásp'ras de demente; E esta minh'alma trágica e doente Não sabe se há de rir, se há de chorar! Vento de voz tristonha, voz plangente, Vento que ris de mim, sempre a troçar, Vento que ris do mundo e do amar, A tua voz tortura tôda a gente!... Vale-te mais chorar, meu pobre amigo! Desabafa essa dor a sós comigo, E não rias assim!... Ó vento, chora! Que eu bem conheço, amigo, êsse fadário Do nosso peito ser como um calvário, E a gente andar a rir p'la vida fora!!... TÉDIO Passo pálida e triste. Oiço dizer «Que branca que ela é! Parece morta!» E eu que vou sonhando, vaga, absorta, Não tenho um gesto, ou um olhar sequer... Que diga o mundo e a gente o que quiser! --O que é que isso me faz?... O que me importa?... O frio que trago dentro gela e corta Tudo que é sonho e graça na mulher! O que é que me importa?! Essa tristeza É menos dor intensa que frieza, É um tédio profundo de viver! E é tudo sempre o mesmo, eternamente... O mesmo lago plácido, dormente... E os dias, sempre os mesmos, a correr... MINHA TRAGÉDIA Tenho ódio à luz e raiva à claridade Do sol, alegre, quente, na subida. Parece que a minh'alma é perseguida Por um carrasco cheio de maldade! Ó minha vã, inútil mocidade Trazes-me embriagada, entontecida!... Duns beijos que me destes noutra vida, Trago em meus lábios roxos, a saüdade!... Eu não gosto do sol, eu tenho mêdo Que me leiam nos olhos o segrêdo De não amar ninguém, de ser assim! Gosto da Noite imensa, triste, preta, Como esta estranha e doida borboleta Que eu sinto sempre a voltejar em mim!... SEM REMÉDIO Aquêles que me têm muito amor Não sabem o que sinto e o que sou... Não sabem que passou, um dia a Dor, Á minha porta e, nesse dia, entrou. E é desde então que eu sinto êste pavor, Êste frio que anda em mim, e que gelou O que de bom me deu Nosso Senhor! Se eu nem sei por onde ando e onde vou!! Sinto os passos da Dor, essa cadência Que é já tortura infinda, que é demência! Que é já vontade doida de gritar! E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio, A mesma angústia funda, sem remédio, Andando atrás de mim, sem me largar... MAIS TRISTE É triste, diz a gente, a vastidão Do Mar imenso! E aquela voz fatal Com que êle fala, agita o nosso mal! E a Noite é triste como a Extrêma-Unção! É triste e dilacera o coração Um poente do nosso Portugal! E não vêem que eu sou... eu... afinal, A coisa mais magoada das que o são?!... Poentes d'agonia trago-os eu Dentro de mim e tudo quanto é meu É um triste poente de amargura! E a vastidão do Mar, tôda essa água Trago-a dentro de mim num Mar de Mágoa! E a Noite sou eu própria! A Noite escura!! VÈLHINHA Se os que me viram já cheia de graça Olharem bem de frente para mim, Talvez, cheios de dor digam assim: «Já ela é vélha! Como o tempo passa!...» Não sei rir e cantar por mais que faça! Ó minhas mãos talhadas em marfim, Deixem êsse fio d'oiro que esvoaça! Deixem correr a vida até ao fim! Tenho vinte-e-três anos! Sou vèlhinha! Tenho cabelos brancos e sou crente... Já murmuro orações... falo sòzinha... E o bando côr de rosa dos carinhos Que tu me fazes, olho-os indulgente, Como se fôsse um bando de nétinhos... EM BUSCA DO AMOR O meu Destino disse-me a chorar: «Pela estrada da Vida vai andando; E, aos que vires passar, interrogando Acêrca do Amor que hás de encontrar.» Fui pela estrada a rir e a cantar, As contas do meu sonho desfiando... E noite e dia, à chuva e ao luar, Fui sempre caminhando e preguntando... Mesmo a um vélho eu preguntei: «Vèlhinho Viste o Amor acaso em teu caminho?» E o vélho estremeceu... olhou... e riu... Agora pela estrada, já cansados Voltam todos p'ra trás desanimados... E eu paro a murmurar: «Ninguém o viu!...» IMPOSSÍVEL Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste: «Parece Sexta-feira de Paixão. Sempre a cismar, cismar, d'olhos no chão, Sempre a pensar na dor que não existe... O que é que tem?! Tão nova e sempre triste! Faça por 'star contente! Pois então?!...» Quando se sofre o que se diz é vão... Meu coração, tudo, calado ouviste... Os meus males ninguém mos adivinha... A minha Dor não fala, anda sòzinha... Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera!... Os males d'Anto tôda a gente os sabe! Os meus... ninguém... A minha Dor não cabe Nos cem milhões de versos que eu fizera!... [End of _Livro de Mágoas_ by Florbela Espanca] [Fin de _Livro de Mágoas_ par Florbela Espanca]