* A Project Gutenberg Canada Ebook * This ebook is made available at no cost and with very few restrictions. These restrictions apply only if (1) you make a change in the ebook (other than alteration for different display devices), or (2) you are making commercial use of the ebook. If either of these conditions applies, please check gutenberg.ca/links/licence.html before proceeding. This work is in the Canadian public domain, but may be under copyright in some countries. If you live outside Canada, check your country's copyright laws. IF THE BOOK IS UNDER COPYRIGHT IN YOUR COUNTRY, DO NOT DOWNLOAD OR REDISTRIBUTE THIS FILE. Title: Charneca em flor Author: Espanca, Florbela (1894-1930) Date of first publication: 1931 Edition used as base for this ebook: Coimbra: Gonçalves, 1934 (_Sonetos Completos_) Date first posted: 19 August 2009 Date last updated: 19 August 2009 Project Gutenberg Canada ebook #373 This ebook was produced by: Júlio Reis & the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdpcanada.net This file was produced from images generously made available by the Biblioteca Nacional de Portugal (Biblioteca Nacional Digital) * Livre électronique de Project Gutenberg Canada * Le présent livre électronique est rendu accessible gratuitement et avec quelques restrictions seulement. Ces restrictions ne s'appliquent que si [1] vous apportez des modifications au livre électronique (et que ces modifications portent sur le contenu et le sens du texte, pas simplement sur la mise en page) ou [2] vous employez ce livre électronique à des fins commerciales. 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Titre: Charneca em flor Auteur: Espanca, Florbela (1894-1930) Date de la première publication: 1931 Édition utilisée comme modèle pour ce livre électronique: Coimbra: Gonçalves, 1934 (_Sonetos Completos_) Date de la première publication sur Project Gutenberg Canada: 19 août 2009 Date de la dernière mise à jour: 19 août 2009 Livre électronique de Project Gutenberg Canada no 373 Ce livre électronique a été créé par: Júlio Reis et l'équipe des correcteurs d'épreuves (Canada) à http://www.pgdpcanada.net Nous tenons à remercier la Biblioteca Nacional de Portugal (Biblioteca Nacional Digital) d'avoir offert en ligne les images de l'édition imprimée sur laquelle nous avons fondé ce livre électronique. Notas de transcrição: A errata presente no final da obra foi aplicada. Foram feitas correcções adicionais que não vinham na errata: * Página 121, linha 9 "«Olha o nosso irmão Sol, nossa irmã água...»" corrigida para "«Olha o nosso irmão Sol, nossa irmã água...»" * Página 142, linha 10 "--Quanto mais funda e lúgubre e descida" corrigida para "--Quanto mais funda e lúgubre a descida" CHARNECA EM FLOR _Amar, amar, amar, amar, siempre y con todo El ser y con la tierra y con el cielo, Con lo claro del sol y lo obscuro del lodo, Amar por toda ciencia y amar por todo anhelo._ _Y cuando la montaña de la vida Nos sea dura y larga, y alta, y llena de abismos, Amar la immensidad, que es de amor encendida, Y arder en la fusión de nuestros pechos mismos..._ RUBÉN DARÍO. CHARNECA EM FLOR Enche o meu peito, num encanto mago, O frémito das coisas dolorosas... Sob as urzes queimadas nascem rosas... Nos meus olhos as lágrimas apago... Anseio! Asas abertas! O que trago Em mim? Eu oiço bôcas silenciosas Murmurar-me as palavras misteriosas Que perturbam meu ser como um afago! E, nesta febre ansiosa que me invade, Dispo a minha mortalha, o meu burel, E, já não sou, Amor, Sóror Saüdade... Olhos a arder em êxtases de amor, Bôca a saber a sol, a fruto, a mel: Sou a charneca rude a abrir em flor! VERSOS DE ORGULHO O mundo quer'me mal porque ninguém Tem asas como eu tenho! Porque Deus Me fêz nascer Princesa entre plebeus Numa tôrre de orgulho e de desdém. Porque o meu Reino fica para além... Porque trago no olhar os vastos céus E os oiros e clarões são todos meus! Porque eu sou Eu e porque Eu sou Alguém! O mundo? O que é o mundo, ó meu Amor? --O jardim dos meus versos todo em flor... A seara dos teus beijos, pão bemdito... Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços... --São os teus braços dentro dos meus braços Via-láctea fechando o Infinito. RÚSTICA Ser a moça mais linda do povoado, Pisar, sempre contente, o mesmo trilho, Ver descer sôbre o ninho aconchegado A bênção do Senhor em cada filho. Um vestido de chita bem lavado, Cheirando a alfazema e a tomilho... Com o luar matar a sêde ao gado, Dar às pombas o sol num grão de milho... Ser pura como a água da cisterna, Ter confiança numa vida eterna Quando descer à «terra da verdade»... Meu Deus, dai-me esta calma, esta pobreza! Dou por elas meu trono de Princesa, E todos os meus Reinos de Ansiedade. REALIDADE Em ti o meu olhar fêz-se alvorada E a minha voz fêz-se gorjeio de ninho... E a minha rubra bôca apaixonada Teve a frescura pálida do linho... Embriagou-me o teu beijo como um vinho Fulvo de Espanha, em taça cinzelada... E a minha cabeleira desatada Pôs a teus pés a sombra dum caminho... Minhas pálpebras são côr de verbena, Eu tenho os olhos garços, sou morena, E para te encontrar foi que eu nasci... Tens sido vida fora o meu desejo E agora, que te falo, que te vejo, Não sei se te encontrei... se te perdi... CONTO DE FADAS Eu trago-te nas mãos o esquecimento Das horas más que tens vivido, Amor! E para as tuas chagas o ungüento Com que sarei a minha própria dor. Os meus gestos são ondas de Sorrento... Trago no nome as letras duma flor... Foi dos meus olhos garços que um pintor Tirou a luz para pintar o vento... Dou-te o que tenho: o astro que dormita, O manto dos crepúsculos da tarde, O sol que é de oiro, a onda que palpita. Dou-te, comigo, o mundo que Deus fêz! --Eu sou Aquela de quem tens saüdade, A princesa do conto: «Era uma vez...» A UM MORIBUNDO Não tenhas mêdo, não! Tranqüilamente, Como adormece a noite pelo Outono, Fecha os teus olhos, simples, docemente, Como, à tarde, uma pomba que tem sono... A cabeça reclina levemente E os braços deixa-os ir ao abandôno, Como tombam, arfando, ao sol poente, As asas de uma pomba que tem sono... O que há depois? Depois?... O azul dos céus? Um outro mundo? O eterno nada? Deus? Um abismo? Um castigo? Uma guarida? Que importa? Que te importa, ó moribundo? --Seja o que fôr, será melhor que o mundo! Tudo será melhor do que esta vida!... EU Até agora eu não me conhecia. Julgava que era Eu e eu não era Aquela que em meus versos descrevera Tão clara como a fonte e como o dia. Mas que eu não era Eu não o sabia E, mesmo que o soubesse, o não dissera... Olhos fitos em rútila quimera Andava atrás de mim... e não me via! Andava a procurar-me--pobre louca!-- E achei o meu olhar no teu olhar, E a minha bôca sôbre a tua bôca! E esta ânsia de viver, que nada acalma, É a chama da tua alma a esbrasear As apagadas cinzas da minha alma! PASSEIO AO CAMPO Meu amor! Meu Amante! Meu amigo! Colhe a hora que passa, hora divina, Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo! Sinto-me alegre e forte! Sou menina! Eu tenho, Amor, a cinta esbelta e fina... Pele Doirada de alabastro antigo... Frágeis mãos de madona florentina... --Vamos correr e rir por entre o trigo!-- Há rendas de gramíneas pelos montes... Papoilas rubras nos trigais maduros... Água azulada a cintilar nas fontes... E à volta, Amor... tornemos, nas Alfombras Dos caminhos selvagens e escuros, Num astro só as nossas duas sombras!... TARDE NO MAR A tarde é de oiro rútilo: esbraseia O horizonte: um cacto purpurino. E a vaga esbelta que palpita e ondeia, Com uma frágil graça de menino, Poisa o manto de arminho na areia E lá vai, e lá segue o seu destino! E o sol, nas casas brancas que incendeia, Desenha mãos sangrentas de assassino! Que linda tarde aberta sôbre o mar! Vai deitando do céu molhos de rosas Que Apolo se entretem a desfolhar... E, sôbre mim, em gestos palpitantes, As tuas mãos morenas, milagrosas, São as asas do sol, agonizantes... SE TU VIESSES VER-ME... Se tu viesses ver-me hoje à tardinha, A essa hora dos mágicos cansaços, Quando a noite de manso se avizinha, E me prendesses tôda nos teus braços... Quando me lembra: êsse sabor que tinha A tua bôca... o eco dos teus passos... O teu riso de fonte... os teus abraços... Os teus beijos... a tua mão na minha... Se tu viesses quando, linda e louca, Traça as linhas dulcíssimas dum beijo E é de sêda vermelha e canta e ri E é como um cravo ao sol a minha bôca... Quando os olhos se me cerram de desejo... E os meus braços se estendem para ti... MISTÉRIO Gosto de ti, ó chuva, nos beirados, Dizendo coisas que ninguém entende! Da tua cantilena se desprende Um sonho de magia e de pecados, Dos teus pálidos dedos delicados Uma alada canção palpita e ascende, Frases que a nossa bôca não aprende, Murmúrios por caminhos desolados. Pelo meu rosto branco, sempre frio, Fazes passar o lúgubre arrepio Das sensações estranhas, dolorosas... Talvez um dia entenda o teu mistério... Quando, inerte, na paz do cemitério, O meu corpo matar a fome às rosas! O MEU CONDÃO Quis Deus dar-me o condão de ser sensível Como o diamante à luz que o alumia, Dar-me uma alma fantástica, impossível: --Um bailado de côr e fantasia! Quis Deus fazer de ti a ambrosia Desta paixão estranha, ardente, incrível! Erguer em mim o facho inextinguível, Como um cinzel vincando uma agonia! Quis Deus fazer-me tua... para nada! --Vãos, os meus braços de crucificada, Inúteis, êsses beijos que te dei! Anda! Caminha! Aonde?... Mas por onde? Se a um gesto dos teus a sombra esconde O Caminho de estrêlas que tracei... AS MINHAS MÃOS As minhas mãos magritas, afiladas, Tão brancas como a água da nascente, Lembram pálidas rosas entornadas Dum regaço de Infanta do Oriente. Mãos de ninfa, de fada, de vivente, Pobrezinhas em sêdas enroladas, Virgens mortas em luz amortalhadas Pelas próprias mãos de oiro do sol-poente. Magras e brancas... Foram assim feitas... Mãos de enjeitada porque tu me enjeitas... Tão doces que elas são! Tão a meu gôsto! P'ra que as quero eu--Deus!--P'ra que as quero eu?! Ó minhas mãos, aonde está o céu? ...Aonde estão as linhas do teu rosto? NOITINHA A noite sôbre nós se debruçou... Minha alma ajoelha, põe as mãos e ora! O luar, pelas colinas, nesta hora, É a água dum gomil que se entornou... Não sei quem tanta pérola espalhou! Murmura alguém pelas quebradas fora... Flores do campo, humildes, mesmo agora, A noite, os olhos brandos, lhes fechou... Fumo beijando o colmo dos casais... Serenidade idílica de fontes, E a voz dos rouxinóis nos salgueirais... Tranqüilidade... calma... anoitecer... Num êxtase, eu escuto pelos montes O coração das pedras a bater... LEMBRANÇA Fui Essa que nas ruas esmolou E fui a que habitou Paços Reais; No mármore de curvas ogivais Fui Essa que as mãos pálidas poisou... Tanto poeta em versos me cantou! Fiei o linho à porta dos casais... Fui descobrir a Índia e nunca mais Voltei! fui essa nau que não voltou... Tenho o perfil moreno, lusitano, E os olhos verdes, côr do verde Oceano, Sereia que nasceu de navegantes... Tudo em cinzentas brumas se dilui... Ah, quem me dera ser Essas que eu fui, As que me lembro de ter sido... dantes!... A NOSSA CASA A nossa casa, Amor, a nossa casa! Onde está ela, Amor, que não a vejo? Na minha doida fantasia em brasa Constrói-a num instante, o meu desejo! Onde está ela, Amor, a nossa casa, O bem que neste mundo mais invejo? O brando ninho aonde o nosso beijo Será mais puro e doce que uma asa? Sonho... que eu e tu, dois pobrezinhos, Andamos de mãos dadas, nos caminhos Duma terra de rosas, num jardim, Num país de ilusão que nunca vi... E que eu moro--tão bom,--dentro de ti E tu, ó meu Amor, dentro de mim... MENDIGA Na vida nada tenho e nada sou; Eu ando a mendigar pelas estradas... No silêncio das noites estreladas Caminho, sem saber para onde vou! Tinha o manto do sol... quem m'o roubou?! Quem pisou minhas rosas desfolhadas?! Quem foi que sôbre as ondas revoltadas A minha taça de oiro espedaçou?! Agora vou andando e mendigando, Sem que um olhar dos mundos infinitos Veja passar o verme, rastejando... Ah, quem me dera ser como os chacais Uivando os brados, rouquejando os gritos Na solidão dos ermos matagais!... SUPREMO ENLEIO Quanta mulher no teu passado, quanta! Tanta sombra em redor! Mas que me importa? Se delas veio o sonho que conforta, A sua vinda foi três vezes santa! Erva do chão que a mão de Deus levanta, Fôlhas murchas de rojo à tua porta... Quando eu fôr uma pobre coisa morta, Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta! Mas eu sou a manhã: apago estrêlas! Hás de ver-me, beijar-me em tôdas elas, Mesmo na bôca da que fôr mais linda! E quando a derradeira, emfim, vier, Nesse corpo vibrante de mulher Será o meu que hás de encontrar ainda... TOLEDO Diluído numa taça de oiro a arder Toledo é um rubi. E hoje é só nosso! O sol a rir... Viv'alma... Não esboço Um gesto que me não sinta esvaecer... As tuas mãos tateiam-me a tremer... Meu corpo de âmbar, harmonioso e moço É como um jasmineiro em alvoroço Ébrio de sol, de aroma, de prazer! Cerro um pouco o olhar onde subsiste Um romântico apêlo vago e mudo, --Um grande amor é sempre grave e triste. Flameja ao longe o esmalte azul do Tejo... Uma tôrre ergue ao céu um grito agudo... Tua bôca desfolha-me num beijo... OUTONAL Caem as fôlhas mortas sôbre o lago: Na penumbra outonal, não sei quem tece As rendas do silêncio... Olha, anoitece! --Brumas longínquas do País do Vago... Veludos a ondear... Mistério mago... Encantamento... A hora que não esquece, A luz que a pouco e pouco desfalece, Que lança em mim a bênção dum afago... Outono dos crepúsculos doirados, De púrpuras, damascos e brocados! --Vestes a terra inteira de esplendor! Outono das tardinhas silenciosas, Das magníficas noites voluptuosas Em que eu soluço a delirar de amor... SER POETA Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens! Morder como quem beija! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além Dor! É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer que se deseja! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor! É ter fome, é ter sêde de Infinito! Por elmo, as manhãs de oiro e de setim... É condensar o mundo num só grito! E é amar-te, assim, perdidamente... É seres alma e sangue e vida em mim E dizê-lo cantando a tôda gente! ALVORECER A noite empalidece. Alvorecer... Ouve-se mais o gargalhar da fonte... Sôbre a cidade muda, o horizonte É uma orquídea estranha a florescer. Há andorinhas prontas a dizer A missa d'alva, mal o sol desponte. Gritos de galos soam monte em monte Numa intensa alegria de viver. Passos ao longe... um vulto que se esvai... Em cada sombra Colombina trai... Anda o silêncio em volta a qu'rer falar... E o luar que desmaia, macerado, Lembra, pálido, tonto, esfarrapado, Um Pierrot, todo branco, a soluçar... MOCIDADE A mocidade esplêndida, vibrante, Ardente, extraordinária, audaciosa, Que vê num cardo a fôlha duma rosa, Na gota de água o brilho dum diamante: Essa que fêz de mim Judeu Errante Do espírito, a torrente caudalosa, Dos vendavais irmã tempestuosa, --Trago-a em mim vermelha, triunfante! No meu sangue rubis correm dispersos: --Chamas subindo ao alto nos meus versos, Papoilas nos meus lábios a florir! Ama-me doida, estonteadoramente, Ó meu Amor! que o coração da gente É tão pequeno... e a vida, água a fugir... AMAR! Eu quero amar, amar perdidamente! Amar só por amar: Aqui... além... Mais Êste e Aquêle, o Outro e tôda a gente... Amar! Amar! E não amar ninguém! Recordar? Esquecer? Indiferente!... Prender ou desprender? É mal? É bem? Quem disser que se pode amar alguém Durante a vida inteira é porque mente! Há uma primavera em cada vida: É preciso cantá-la assim florida, Pois se Deus nos deu voz, foi p'ra cantar! E se um dia hei de ser pó, cinza e nada Que seja a minha noite uma alvorada, Que me saiba perder... p'ra me encontrar... NOSTALGIA Nesse País de lenda, que me encanta, Ficaram meus brocados, que despi, E as jóias que p'las aias reparti Como outras rosas da Raínha Santa! Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta! Foi por lá que as semeei e que as perdi... Mostrem-me êsse País onde eu nasci! Mostrem-me o Reino de que eu sou Infanta! Ó meu País de sonho e de ansiedade, Não sei se esta quimera que me assombra, É feita de mentira ou de verdade! Quero voltar! Não sei por onde vim... Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra Por entre tanta sombra igual a mim! AMBICIOSA Para aquêles fantasmas que passaram, Vagabundos a quem jurei amar, Nunca os meus braços lânguidos traçaram O vôo dum gesto para os alcançar... Se as minhas mãos em garra se cravaram Sôbre um amor em sangue a palpitar... --Quantas panteras bárbaras mataram Só pelo raro gôsto de matar! Minha alma é como a pedra funerária Erguida na montanha solitária Interrogando a vibração dos céus! O amor dum homem?--Terra tão pisada Gota de chuva ao vento baloiçada... Um homem?--Quando eu sonho o amor dum Deus!... CRUCIFICADA Amiga... noiva... irmã... o que quiseres! Por ti, todos os céus terão estrêlas, Por teu amor, mendiga, hei de merecê-las Ao beijar a esmola que me deres. Podes amar até outras mulheres! --Hei de compor, sonhar palavras belas, Lindos versos de dor só para elas, Para em lânguidas noites lhes dizeres! Crucificada em mim, sôbre os meus braços, Hei de poisar a bôca nos teus passos P'ra não serem pisados por ninguém. E depois... Ah! Depois de dores tamanhas Nascerás outra vez de outras entranhas, Nascerás outra vez de uma outra Mãe! ESPERA... Não me digas adeus, ó sombra amiga, Abranda mais o ritmo dos teus passos: Sente o perfume da paixão antiga, Dos nossos bons e cândidos abraços. Sou a dona dos místicos cansaços, A fantástica e estranha rapariga Que um dia ficou presa nos teus braços... Não vás ainda embora, ó sombra amiga! Teu amor fêz de mim um lago triste: Quantas ondas a rir que não lhe ouviste, Quanta canção de ondinas lá no fundo! Espera... espera... ó minha sombra amada... Vê que p'ra além de mim já não há nada E nunca mais me encontras neste mundo!... INTERROGAÇÃO Neste tormento inútil, neste empenho De tornar em silêncio o que em mim canta, Sobem-me roucos brados à garganta Num clamor de loucura que contenho. Ó alma da charneca sacrosanta, Irmã da alma rútila que eu tenho, Dize para onde vou, donde é que venho Nesta dor que me exalta e me alevanta! Visões de mundos novos, de infinitos, Cadências de soluços e de gritos, Fogueira a esbrasear que me consome! Dize que mão é esta que me arrasta? Nódoa de sangue que palpita e alastra... Dize de que é que eu tenho sêde e fome?! VOLÚPIA No divino impudor da mocidade, Nesse êxtase pagão que vence a sorte, Num frémito vibrante de ansiedade, Dou-te o meu corpo prometido à morte! A sombra entre a mentira e a verdade... A nuvem que arrastou o vento norte... --Meu corpo! Trago nêle um vinho forte: Meus beijos de volúpia e de maldade! Trago dálias vermelhas no regaço... São os dedos do sol quando te abraço, Cravados no teu peito como lanças! E do meu corpo os leves arabescos Vão-te envolvendo em círculos dantescos Felinamente, em voluptuosas danças... FILTRO Meu amor, não é nada:--Sons marinhos Numa concha vasia, chôro errante... Ah, olhos que não choram! Pobrezinhos... Não há luz neste mundo que os levante! Eu andarei por ti os maus caminhos E as minhas mãos, abertas a diamante, Hão de crucificar-se nos espinhos Quando o meu peito fôr o teu mirante! Para que corpos vis te não desejem, Hei de dar-te o meu corpo, e a bôca minha P'ra que bôcas impuras te não beijem! Como quem roça um lago que sonhou, Minhas cansadas asas de andorinha Hão de prender-te todo num só vôo... MAIS ALTO Mais alto, sim! mais alto, mais além Do sonho, onde morar a dor da vida, Até sair de mim! Ser a Perdida, A que se não encontra! Aquela a quem O mundo não conhece por Alguém! Ser orgulho, ser águia na subida, Até chegar a ser, entontecida, Aquela que sonhou o meu desdém! Mais alto, sim! Mais alto! A intangível! Turris Ebúrnea erguida nos espaços, Á rutilante luz dum impossível! Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber O mal da vida dentro dos meus braços, Dos meus divinos braços de Mulher! NERVOS DE OIRO Meus nervos, guisos de oiro a tilintar Cantam-me n'alma a estranha sinfonia Da volúpia, da mágoa e da alegria, Que me faz rir e que me faz chorar! Em meu corpo fremente sem cessar, Agito os guisos de oiro da folia! A Quimera, a Loucura, a Fantasia, Num rubro turbilhão sinto-As passar! O coração, numa imperial oferta, Ergo-o ao alto! E, sôbre a minha mão, É uma rosa de púrpura entreaberta! E em mim, dentro de mim, vibram dispersos, Meus nervos de oiro, esplêndidos, que são Tôda a Arte suprema dos meus versos! A VOZ DA TÍLIA Diz-me a tília a cantar: «Eu sou sincera, Eu sou isto que vês: o sonho, a graça. Deu ao meu corpo, o vento, quando passa, Êste ar escultural de bayadera... E de manhã o sol é uma cratera, Uma serpente de oiro que me enlaça... Trago nas mãos as mãos da primavera... E é para mim que em noites de desgraça Toca o vento Mozart, triste e solene, E à minha alma vibrante, posta a nu, Diz a chuva sonetos de Verlaine...» E, ao ver-me triste, a tília murmurou: «Já fui um dia poeta como tu... Ainda hás de ser tília como eu sou...» NÃO SER Quem me dera voltar à inocência Das coisas brutas, sãs, inanimadas, Despir o vão orgulho, a incoerência: --Mantos rôtos de estátuas mutiladas! Ah! Arrancar às carnes laceradas Seu mísero segrêdo de consciência! Ah! poder ser apenas florescência De astros em puras noites deslumbradas! Ser nostálgico choupo ao entardecer, De ramos graves, plácidos, absortos Na mágica tarefa de viver! Ser haste, seiva, ramaria inquieta, Erguer ao sol o coração dos mortos Na urna de oiro duma flor aberta... ? Quem fêz ao sapo o leito carmesim De rosas desfolhadas à noitinha? E quem vestiu de monja a andorinha, E perfumou as sombras do jardim? Quem cinzelou estrêlas no jasmim? Quem deu êsses cabelos de raínha Ao girassol? Quem fêz o mar? E a minha Alma a sangrar? Quem me criou a mim? Quem fêz os homens e deu vida aos lobos? Santa Teresa em místicos arroubos? Os monstros? E os profetas? E o luar? Quem nos deu asas para andar de-rastros? Quem nos deu olhos para ver os astros --Sem nos dar braços para os alcançar? IN MEMORIAM Ao meu morto querido. Na cidade de Assis, «Il Poverello» Santo, três vezes santo, andou prègando Que o sol, a terra, a flor, o rocio brando, Da pobreza o tristíssimo flagelo, Tudo quanto há de vil, quanto há de belo, Tudo era nosso irmão!--E assim sonhando, Pelas estradas da Umbria foi forjando Da cadeia do amor o maior elo! «Olha o nosso irmão Sol, nossa irmã água...» Ah, Poverello! Em mim, essa lição Perdeu-se como vela em mar de mágoa Batida por furiosos vendavais! --Eu fui na vida a irmã dum só irmão, E já não sou a irmã de ninguém mais! ÁRVORES DO ALENTEJO Ao prof. Guido Battelli. Horas mortas... Curvada aos pés do Monte A planície é um brasido... e, torturadas, As árvores sangrentas, revoltadas, Gritam a Deus a bênção duma fonte! E quando, manhã alta, o sol posponte A oiro a giesta, a arder, pelas estradas, Esfíngicas, recortam desgrenhadas Os trágicos perfis no horizonte! Árvores! Corações, almas que choram Almas iguais à minha, almas que imploram Em vão remédio para tanta mágoa! Árvores! Não choreis! Olhai e vêde: --Também ando a gritar, morta de sêde, Pedindo a Deus a minha gota de água! QUEM SABE?... Ao Angelo. Queria tanto saber porque sou Eu! Quem me enjeitou neste caminho escuro? Queria tanto saber porque seguro Nas minhas mãos o bem que não é meu! Quem me dirá se, lá no alto, o céu Também é para o mau, para o perjuro? Para onde vai a alma que morreu? Queria encontrar Deus! Tanto o procuro! A estrada de Damasco, o meu caminho, O meu bordão de estrêlas de cèguinho, Água da fonte de que estou sedenta! Quem sabe se êste anseio de Eternidade, A tropeçar na sombra, é a verdade, É já a mão de Deus que me acalenta? A MINHA PIEDADE A Bourbon e Menezes. Tenho pena de tudo quanto lida Neste mundo, de tudo quanto sente, Daquele a quem mentiram, de quem mente, Dos que andam pés descalços pela vida, Da rocha altiva, sôbre o monte erguida, Olhando os céus ignotos frente a frente, Dos que não são iguais à outra gente, E dos que se ensangüentam na subida! Tenho pena de mim... pena de ti... De não beijar o riso duma estrêla... Pena dessa má hora em que nasci... De não ter asas para ir ver o céu... De não ser Esta... a Outra... e mais Aquela... De ter vivido e não ter sido Eu... SOU EU! A Laura Chaves. Pelos campos em fora, pelos combros, Pelos montes que embalam a manhã, Largo os meus rubros sonhos de pagã, Emquanto as aves poisam nos meus ombros... Em vão me sepultaram entre escombros De catedrais duma escultura vã! Olha-me o loiro sol tonto de assombros, E as nuvens, a chorar, chamam-me irmã! Ecos longínquos de ondas... de universos... Ecos dum mundo... dum distante Além, Donde eu trouxe a magia dos meus versos! Sou eu! Sou eu! A que nas mãos ansiosas Prendeu da vida, assim como ninguém, Os maus espinhos sem tocar nas rosas! PANTEÍSMO Ao Boto de Carvalho. Tarde de brasa a arder, sol de verão Cingindo, voluptuoso, o horizonte... Sinto-me luz e côr, ritmo e clarão Dum verso triunfal de Anacreonte! Vejo-me asa no ar, erva no chão, Oiço-me gota de água a rir, na fonte, E a curva altiva e dura do Marão É o meu corpo transformado em monte! E de bruços na terra penso e cismo Que, neste meu ardente panteísmo, Nos meus sentidos postos e absortos, Nas coisas luminosas dêste mundo, A minha Alma é o túmulo profundo Onde dormem, sorrindo, os deuses mortos! POBRE DE CRISTO A José Emídio Amaro. Ó minha terra na planície rasa, Branca de sol e cal e de luar, Minha Terra que nunca viste o mar, Onde tenho o meu pão e a minha casa, Minha terra de tardes sem uma asa, Sem um bater de fôlha... a dormitar... Meu anel de rubis a flamejar, Minha terra moirisca a arder em brasa! Minha terra aonde meu irmão nasceu, Aonde a mãe que eu tive e que morreu Foi moça e loira, amou e foi amada! Truz... Truz... Truz...--Eu não tenho aonde me acoite, Sou um pobre de longe, é quási noite, Terra, quero dormir, dá-me pousada!... A UMA RAPARIGA A Nice. Abre os olhos e encara a vida! A sina Tem que cumprir-se! Alarga os horizontes! Por sôbre lamaçais alteia pontes Com tuas mãos preciosas de menina. Nessa estrada da vida que fascina Caminha sempre em frente, além dos montes! Morde os frutos a rir! Bebe nas fontes! Beija aquêles que a sorte te destina! Trata por tu a mais longínqua estrêla, Escava com as mãos a própria cova E depois, a sorrir, deita-te nela! Que as mãos da terra façam, com amor, Da graça do teu corpo, esguia e nova, Surgir à luz a haste duma flor!... MINHA CULPA A Artur Ledesma. Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem Quem sou? Um fogo-fátuo, uma miragem... Sou um reflexo... um canto de païsagem Ou apenas cenário! Um vai vém. Como a sorte: hoje aqui, depois além! Sei lá quem sou? Sei lá! Sou a roupagem Dum doido que partiu numa romagem E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!... Sou um verme que um dia quis ser astro... Uma estátua truncada de alabastro... Uma chaga sangrenta do Senhor... Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados, Num mundo de maldades e pecados, Sou mais um mau, sou mais um pecador... TEUS OLHOS Olhos do meu Amor! Infantes loiros Que trazem os meus presos, endoidados! Nêles deixei, um dia, os meus tesoiros: Meus anéis, minhas rendas, meus brocados. Nêles ficaram meus palácios moiros, Meus carros de combate, destroçados, Os meus diamantes, todos os meus oiros Que trouxe d'Além-Mundos ignorados! Olhos do meu Amor! Fontes... cisternas... Enigmáticas campas medievais... Jardins de Espanha... catedrais eternas... Berço vindo do céu à minha porta... Ó meu leito de núpcias irreais!... Meu sumptuoso túmulo de morta!... _He hum não querer mais que bem querer._ CAMÕES. I Gosto de ti apaixonadamente, De ti que és a vitória, a salvação, De ti que me trouxeste pela mão Até ao brilho desta chama quente. A tua linda voz de água corrente Ensinou-me a cantar... e essa canção Foi ritmo nos meus versos de paixão, Foi graça no meu peito de descrente. Bordão a amparar minha cegueira, Da noite negra o mágico farol, Cravos rubros a arder numa fogueira! E eu, que era neste mundo uma vencida, Ergo a cabeça ao alto, encaro o sol! --Águia real, apontas-me a subida! II Meu amor, meu amado, vê... repara: Poisa os teus lindos olhos de oiro em mim, --Dos meus beijos de amor Deus fêz-me avara Para nunca os contares até ao fim. Meus olhos têm tons de pedra rara, --É só para teu bem que os tenho assim-- E as minhas mãos são fontes de água clara A cantar sôbre a sêde dum jardim. Sou triste como a fôlha ao abandôno Num parque solitário, pelo Outono, Sôbre um lago onde vogam nenúfares... Deus fêz-me atravessar o teu caminho... --Que contas dás a Deus indo sòzinho, Passando junto a mim, sem me encontrares?-- III Frémito do meu corpo a procurar-te, Febre das minhas mãos na tua pele Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel, Doido anseio dos meus braços a abraçar-te, Olhos buscando os teus por tôda a parte, Sêde de beijos, amargor de fel, Estonteante fome, áspera e cruel, Que nada existe que a mitigue e a farte! E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma Junto da minha, uma lagoa calma, A dizer-me, a cantar que me não amas... E o meu coração que tu não sentes, Vai boiando ao acaso das correntes, Esquife negro sôbre um mar de chamas... IV És tu! És tu! Sempre vieste, emfim! Oiço de novo o riso dos teus passos! És tu que eu vejo a estender-me os braços Que Deus criou p'ra me abraçar a mim! Tudo é divino e santo visto assim... Foram-se os desalentos, os cansaços... O mundo não é mundo: é um jardim! Um céu aberto: longes, os espaços! Prende-me tôda, Amor, prende-me bem! Que vês tu em redor? Não há ninguém! A terra?--Um astro morto que flutua... Tudo o que é chama a arder, tudo o que sente, Tudo o que é vida e vibra eternamente É tu seres meu, Amor, e eu ser tua! V Dize-me, amor, como te sou querida, Conta-me a glória do teu sonho eleito, Aninha-me a sorrir junto ao teu peito, Arranca-me dos pântanos da vida. Embriagada numa estranha lida, Trago nas mãos o coração desfeito. Mostra-me a luz, ensina-me o preceito Que me salve e levante redimida! Nesta negra cisterna em que me afundo, Sem quimeras, sem crenças, sem ternura, Agonia sem fé dum moribundo, Grito o teu nome numa sêde estranha, Como se fôsse, Amor, tôda a frescura Das cristalinas águas da montanha! VI Falo de ti às pedras das estradas, E ao sol que é loiro como o teu olhar, Falo ao rio, que desdobra a faïscar, Vestidos de Princesas e de Fadas; Falo às gaivotas de asas desdobradas, Lembrando lenços brancos a acenar. E aos mastros que apunhalam o luar Na solidão das noites consteladas; Digo os anseios, os sonhos, os desejos Donde a tua alma, tonta de vitória, Levanta ao céu a tôrre dos meus beijos! E os meus gritos de amor, cruzando o espaço, Sôbre os brocados fúlgidos da glória, São astros que me tombam do regaço! VII São mortos os que nunca acreditaram Que esta vida é sòmente uma passagem Um atalho sombrio, uma païsagem Onde os nossos sentidos se poisaram. São mortos os que nunca alevantaram Dentre escombros a Tôrre de Menagem Dos seus sonhos de orgulho e de coragem, E os que não riram e os que não choraram. Que Deus faça de mim, quando eu morrer, Quando eu partir para o País da Luz, A sombra calma dum entardecer--, Tombando, em doces pregas de mortalha, Sôbre o teu corpo heróico, pôsto em cruz Na solidão dum campo de batalha! VIII Abrir os olhos, procurar a luz, De coração erguido ao alto, em chama, Que tudo neste mundo se reduz A ver os astros cintilar na lama! Amar o sol da glória e a voz da fama Que em clamorosos gritos se traduz! Com misericórdia, amar quem nos não ama, E deixar que nos preguem numa cruz! Sôbre um sonho desfeito erguer a tôrre Doutro sonho mais alto e, se êsse morre Mais outro e outro ainda, tôda a vida! Que importa que nos vençam desenganos, Se pudermos contar os nossos anos Assim como degraus duma subida? IX Perdi os meus fantásticos castelos Como névoa distante que se esfuma... Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los: Quebrei as minhas lanças uma a uma! Perdi minhas galeras entre os gêlos Que se afundaram sôbre um mar de bruma... --Tantos escolhos! Quem podia vê-los?-- Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma! Perdi a minha taça, o meu anel, A minha cota de aço, o meu corcel, Perdi meu elmo de oiro e pedrarias... Sobem-me aos lábios súplicas estranhas... Sôbre o meu coração pesam montanhas... Olho assombrada as minhas mãos vazias... X Eu queria mais altas as estrêlas, Mais largo o espaço, o sol mais criador, Mais refulgente a lua, o mar maior, Mais cavadas as ondas e mais belas; Mais amplas, mais rasgadas as janelas Das almas, mais rosais a abrir em flor, Mais montanhas, mais asas de condor, Mais sangue sôbre a cruz das caravelas! E abrir os braços e viver a vida, --Quanto mais funda e lúgubre a descida Mais alta é a ladeira que não cansa! E, acabada a tarefa... em paz, contente, Um dia adormecer, serenamente, Como dorme no berço uma criança! Outubro, 1930. [End of _Charneca em flor_ by Florbela Espanca] [Fin de _Charneca em flor_ par Florbela Espanca]